terça-feira, 1 de setembro de 2015

Texto de Marina Oliveira sobre Destecendo Penélope Bloom

Impressões acerca de Destecendo Penélope

Marina de Oliveira

Ao abrir as cortinas, o espectador vê a personagem de pé ao lado de uma cama e pode observá-la numa sequência de ações que vão do móvel ao chão. Movimentos criados a partir de posturas corporais que remetem às ideias de reflexão, insônia, insatisfação, tédio etc. Em trajes íntimos do início do século XX, a personagem feminina de Joyce vai desvelando-se na interpretação de Maria Falkembach. O autor irlandês descontrói a Penélope mítica que ficou no imaginário coletivo como símbolo de fidelidade e submissão ao marido. Molly é fiel apenas a ela mesma e aos seus instintos. Em Destecendo Penélope, não vemos o fluxo de consciência verborrágico de Molly, nem a sua delirante premência sexual, presente no último capítulo de Ulisses, mas uma figura feminina pulsante, que respira, dança, fala e exerce a sua sexualidade de modo espontâneo. A Penélope de Maria/Júlia é mais comedida ou a de Joyce está mais para ninfomaníaca, uma projeção masculina de sex machine? A resposta vem numa passagem marcante do espetáculo, em que há uma espécie de distanciamento brechtiano, quando Maria lê uma carta em que desabafa, fala sobre o que a deixa furiosa no que tange ao cerceamento da libido advindo, sobretudo, da padronização/idealização de corpos pouco naturais, enfatizando: “não dá pra gozar fazendo pose”. A cena em que a atriz-bailarina se apalpa, ressaltando as porções que poderiam ser vistas como fora do padrão é de grande impacto e fazem o espectador pensar que a beleza do corpo-pulsante está além do estereótipo do corpo-produto. Molly diz sim. Maria diz não.  “Não dá pra gozar fazendo pose”. Maria também diz, com o corpo: “Não dá pra dançar fazendo pose”. A dança, assim como o gozo, vem de dentro, liberdade sem freios, verdade íntima que subjaz. O corpo, nesse contexto, não é produto mercadológico vinculado aos referenciais de uma sociedade pautada pela heteronormatividade, mas ferramenta de expressão fisiológica e artística.
São pontos altos do espetáculo: a constante organicidade da atriz-bailarina, a cena do confessionário, os encontros com o sr. Cuffe, a representação da mãe, Marion, o manuseio do leque, a leitura da carta, a menção ao filho morto, o apalpamento, as danças do início e do final, com o vestido de noiva. Pontos a serem repensados: o espetáculo ganharia em potência se tivesse 45/50 minutos e não 1 hora; ele apresentou, quando vi, dois finais em suspensão, antes do real final. As trocas de figurinos parecem excessivas, talvez desse para reduzi-las. Me pareceu demasiada a leitura de três textos distintos no abajur à esquerda do espectador. Talvez o texto científico sobre a ideia de supressão da maternidade fosse suficiente. São impressões.
Depois de reivindicar o direito ao exercício da libido sem deformações midiáticas, de criticar a visão cientificista patriarcal que despreza a importância da mulher enquanto mãe e de compartilhar com o espectador cartas em que se diz “o que é estar vivo hoje?”, Maria diz sim. Sim ao desejo. Sim ao empoderamento da mulher. Sim à vida. Como espectadora, me sinto em total comunhão com a abordagem libertária do espetáculo. Me alio à Molly, à Maria e à Julia e também digo sim. Vida longa ao Destecendo Penélope!