domingo, 20 de abril de 2008

Zero Hora, 19 de abril de 2008

Odisséia feminina


Diretor costarriquenho encena na Capital o último capítulo do "Ulisses", de Joyce
Ler o romance Ulisses é uma verdadeira odisséia. Não é só um jogo de palavras: James Joyce (1882 - 1941) escreveu um dos romances mais importantes do século 20 variando sintaxes, idiomas e pontos de vista de acordo com o que o fluxo de consciência e emoção exigiam. Imagine encenar Ulisses ou uma parte dele que seja? O diretor costarriquenho Gerardo Bejarano topou a empreitada, que está em cartaz no Depósito de Teatro até 28 de abril.
Para ser exato, a peça Penélope Bloom encena apenas o último capítulo de Ulisses, um longo monólogo da personagem Molly Bloom, que se estende por oito frases, nenhuma vírgula e um único ponto. Bejarano assume a multiplicidade proposta por Joyce e coloca em cena duas atrizes - a brasileira Maria Falkembach e a costarriquenha Vicky Montero. Elas dividem a cena por todos os 75 minutos de Penélope Bloom, repartindo falas em português e espanhol. Seus estilos de interpretação são diferentes e complementares - Maria privilegiando o corpo, Vicky se detendo na construção mais tradicional de uma personagem.
- Tudo para alimentar o cubo - resume Bejarano, que se divide entre seu país e o Brasil há quase 20 anos. - Os conflitos inevitáveis de estilo que ocorrem em cena são usados para multiplicar os sentidos de Penélope Bloom.
O espetáculo, inclusive a trilha sonora do gaúcho Leandro Maia, foram criados um pouco no Brasil, um pouco na Costa Rica. Como Joyce pregava, valeu especialmente a intuição. Vicky explica como descobriu sua linha de interpretação:
- Estava em um ônibus na Costa Rica, e uma mulher falou por mais de 90 minutos sem pausa. Vibrei: ali estava a minha Molly.
Maria, que conheceu Bejarano enquanto fazia mestrado na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), em 2005, aponta ainda mais um fator de multiplicação. Segundo ela, o monólogo de uma mulher, vivida por duas mulheres dirigidas por um homem, tem tudo a ver (e ouvir) com a obra de Joyce:
- As contradições de Molly estão em cena até de maneira física.
Bejarano insiste na fidelidade a Joyce:
- Ele enxergava o extraordinário na conduta humana mais simples. Penélope Bloom é assim, um olhar extraordinário.
Penélope Bloom
De quinta a segunda, às 20h. Duração: 75 minutos.
Depósito de Teatro (Câncio Gomes, 218, fone 51 3061-5251). Lotação: 70 lugares.
A peça: Gerardo Bejarano dirige uma adaptação do último capítulo do romance Ulisses, escrito por James Joyce.
Ingressos: R$ 15 e R$ 10 (Clube do Assinante, estudantes, maiores de 60 anos e classe artística). À venda somente na bilheteria do teatro.
Preste atenção - A trilha composta por Leandro Maia usa piano, fagotes e percussão para interferir na peça.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Sobre o processo de criação e eu uma


Tudo começou com Adélia Prado. Talvez tudo tenha começado com o meu medo de não saber dançar. Mesmo envergonhado, esse corpo procurou e encontrou Adélia. Que me deu coragem, e ainda dá.
Na procura de compor como Gertrude Stein descobri um nome para o que fazia: transcriação. Uma reinvenção uma recomposição uma rearticulação no corpo de uma que queria ser uma daquela escrita que outra uma buscava para ser uma.
Agora o desafio de destecer Joyce e tecer corpos num espaço-tempo cênico. Esse tecido está cheio de teoria teatral corporal o escambal. Mas nesse momento só lembro das noites paralelas à noite de Molly, meu corpo noite-vigília vivendo os movimentos desta uma. Neste agora bem aqui só penso no eu que esse processo produziu. No confronto constante com o masculino de Joyce e do diretor, na busca do meu feminino.
Penélope Bloom: Reafirmação de meu corpo. Corpo Delícia. Constatação do meu poder. Mulher-vida-possibilidade-fertilidade. Afirmação desse modo complexo feminino de ser. Sim à não-razão. Molly transborda mulher. Possibilidade de reivindicar meu masculino femininamente. Duro e macio ao mesmo tempo. Uma mistura de ameixa e maçã.
O recomeçar a tecer é retomar, todos os dias, os pequenos fatos, as pequenas (rel)ações, laços de afecto, infecções, que nos fizeram. E destecer é desconstruir, desfiar-se, desafiar-se para se reinventar. A busca do corpo que se faz e se re-faz, que se desmancha no outro para manchar-se em si mesma.
Recomeçar. Reapaixonar-se. Remontar o tesão pelo existir. Sempre sempre sempre.
Verdade ou mentira, meu corpo vive e enche o dia-a-dia e toda a minha vida.

terça-feira, 8 de abril de 2008

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Presente de Donaldo

O monólogo feminino opõe-se ao solilóquio protéico de Stephen. O sistema é geocêntrico. Se Molly se movesse, aderiria ao conflituado heliocentrismo dos homens, não seria a Terra. Molly é Penélope mais todas as mulheres que perturbaram a mente de Ulisses na sua longa viagem: é saber, é mistério. A cantora (sereia?) afirma a vida: juventude, paixão. Molly descende de Mefistófeles? Então, o diabo é mulher, Lilit, a primeira companheira de Adão, sedutora, diabólica.
Donaldo Schüler

O monólogo de Molly Bloom


O fluir da consciência que detinha Stephen Dedalus em suas decisões permite agora a Molly fazer um balanço de sua vida. Não é certo que o fluir da consciência tenha a forma de monólogo. Se todo discurso se edifica sobre outro discurso, em todo o discurso o diálogo se estabelece. Presente, passado e futuro se mesclam. A primeira lembrança que lhe vem à mente é a da manhã do dia que termina, o desjejum. O que foi visto na perspectiva diurna de Bloom é revisto na perspectiva noturna de Molly.
Embora Molly esteja continuamente preocupada com a sua existência corpórea, ela conceitualiza. Não recorda apenas os fatos, ela os comenta e, de alguma forma, procura ordená-los. Não o faz como o faria um pensador, e nisso ela contrasta Stephen. O jovem tenta compreender-se na vida individual e no universo, analisa Shakespeare para compreender-se.
Molly fica presa ao que experimentou. Podemos ver no monólogo dela a diferença de quem experimenta e daquele que pensa. Falta, por outro lado, a Molly o padrão metafísico que carateriza o monólogo da Justine do Marquês de Sade. Justine enlouquece porque ideologia e realidade não coincidem. Há um ingrediente quixotesco em sua personalidade. Justine perde a razão, Molly adormece. Stephen reorganiza: mata simbolicamente a mãe, e simbolicamente edifica a realidade sobre o filho (ele próprio) que tomou o lugar do pai. Verbalizar não é ainda pensar. Pensar é aviliar, encontrar um sistema de idéias que sustente o vivido. Molly revela sentimentos de mãe e de amante em relação ao marido e em relação a Stephen que espera conhecer melhor.
Donaldo Schüler

Contribuição do Cao

Oi, Maria,
Nos meus estudos internéticos sobre o clown, encontrei um texto da Denise Stoklos que é pura Dramaturgia do Corpo.
Abaixo, um pequeno extrato, selecionado e grifado por mim.

“O gesto do performer corresponde a que ênfase deseja imprimir para distanciar-se do convite primordial dos corpos que é descansar na inércia, cair ao solo, juntar-se com a terra, parar. Nenhum gesto significará nada em si mesmo. A leitura será sobre a atitude do ator em relação a suas decisões sobre onde colocar seu corpo fora da força gravitacional que exige o não-gesto, a não-ação.
Todos os temas que encontrem no corpo do ator o empenho necessário para realizar seu esforço serão interessantes pontos de partida e de chegada.A matéria espaço é seu instrumento. O corpo é sua borracha do espaço pintado a crayon. Ele antes, apaga o espaço vazio com seu corpo. Toma lugar apagando o escuro. Ilumina com a tomada de posição de seu corpo naquele espaço antes ocupado pelo vazio.A voz entra no silêncio, como um apagador do silêncio, não como enunciação. O ator não é ativo. O espaço e o silêncio são ativos, ele é passivo entrando em ação. Isso lhe custa. A imposição é do escuro, da força gravitacional, do silêncio.Quando se empurra o chão, se está exercendo uma ação optativa, diferente do convite: o convite é para ceder ao chamamento da gravidade que estava ali antes e existirá depois da existência do performer. Sua única identidade é o percurso que ele desenhará ao discernir-se do chamamento imantado da terra. Sua tensão com o próprio eixo da terra é o fundamento de sua expressão corporal e oral, uma vez que sua oralidade estará se realizando também quanto ao esforço muscular de seu diafragma e não quanto ao desenho das palavras escritas cuja vida em cena não existirá sem o pessoal empenho, a pessoal opção da qualidade aplicada: ritmo, intensidade, harmonia, continuidade, ruptura, ângulo, círculo. Quanto custa a vida original do perfomer, a organicidade é o que comporá seu poema recitativo, sua coreografia, não o que já está escrito ou desenhado de antemão. A atualidade é seu barro.”

O texto completo está em: http://www.clowns.com.br/site/escritos2.php?id=5

Saudações saudáveis a seu joelho.
Um beijo,
Cao

quinta-feira, 3 de abril de 2008

MOLLY

Olá!
Por favor, uma definição de você. De ti mesmo!
Quero saber mais que nome e profissão, quero saber como você é.
E?
Como tu pensas? Como te moves no mundo? Como te relacionas?
Difícil definir alguém, né?
Maravilhosamente complexo.
Assim é Molly.
Tenho me aproximado mais dela a cada dia. A cada ensaio mais sutilezas, contradições e detalhes desta mulher. Não sei definir Molly. Sei experimentá-la em meu corpo e saberei vivê-la 1 hora e 30 minutos a cada dia que fizermos o espetáculo.






terça-feira, 1 de abril de 2008

Um presente da Luci, pra nós

RETRATO DA DIVA ENQUANTO MUDA
Imitação: uma espera que ele volte da guerra, a outra espera que ele volte da rua; uma enreda entretece e destrabalha, a outra envermelha, envereda e entretém.

A ficção de Molly é ser Marion é ser Milly é ser Penélope é ser Nora é ser virgem é ser a própria odisséia numa flor encontradiça. Sim, floreios e umidades, assim é que a gibraltarina do canto inversão de sereia enganará a todos menos o marido. A todos, mas jamais a si. Eternamente fiel aos que lhe habitam Sim os minutos.

O por dentro o porventura: mãe primeira mãe de filho morto mãe do infinito mistério e nunca – o que é certo: esposa. Molly sangrando vermelhos brota em orgástico fluxo. Da consciência, fique claro. Cama mundo morada Sem pontos Meus pensamentos Sem medos Suas policromias. Eternamente infiel aos que lhe desabitam Sim vãos.

No fim, as frases. As sentenças todas. Uma palavra ruidosa uma palavra feminina. Um encantamento Eu uma flor da montanha Tu uma flor nos cabelos como Elas as garotas andaluzas usavam.

Fêmea molhada vinga desabrocha. Ei-la em sendo o mistério do corpo na floração os corpos que se desejar: sim fazendo o impossível do nunca voltar.

Luci Collin